domingo, 27 de fevereiro de 2011

Crónica de uma lombalgia anunciada-Parte I

E elas voltaram! Ao fim de tantos meses, de tantas teorias e de tantas formas de tratamento, as minhas dores nas costas voltaram. Creio que a culpa tenha sido da senhora da avaliação de spa que despertou o gigante há muito adormecido, quando me convenceu a comprar uma massagem enquanto provocava danos catastróficos na minha cervical. Que maneira tão adequada e convincente de vender um produto! Pois muito bem! As contracturas voltaram e com elas uma necessidade insaciável aplicar pontos de pressão que me alivie um pouco as dores. Desta feita, voltou a ser muito comum encontrarem-me com as costas encostadas à aresta de uma parede, de um móvel ou de uma porta, em movimentos de fricção agressivos e repetitivos, tal qual um cão rafeiro com sarna, a coçar-se num muro de pedra. Que visão!!!

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Inevitavelmente, a recordação da crise de coluna da qual padeci há cerca de um ano abateu-se sobre mim, e com ela a imagem do fatídico dia em que tive de ir de urgência para o hospital, sozinha, em lágrimas e com a depilação por fazer! E passo a partilhar neste espaço este que foi, provavelmente, o momento fisicamente mais doloroso de que tenho memória.

07:25 O relógio-despertador toca – situação de agradável conforto porque ainda é cedo para por o pezinho fora da cama e deixo-me adormecer.

07:30 – O relógio-despertador toca pela 2ª vez. Procuro o comando da televisão para iniciar o processo da alvorada no meu cérebro, embora não o encontre (ao comando e, por consequência, ao cérebro também), e volto a cair no “vale dos lençóis”.

07:35 – O relógio-despertador toca pela 3ª vez. Volto a procurar o comando e, em desespero de causa, o maridão levanta-se para o procurar porque está a ver que, sozinha, não chego lá.

07:40 – O despertador do telemóvel do maridão toca e eu faço um enorme esforço para tentar ver o boletim meteorológico. Volto a adormecer, mais ou menos ali na cidade de Braga.

07:45 – No meu telemóvel surge o 1º alarme e penso “Não preciso de me levantar já se ficar aqui a planear o processo da selecção da indumentária”. E adormeço logo na camisola.

07:50 – Pela 2ª vez o meu telemóvel desperta e nem me digno sequer a mandá-lo calar. O bichinho, ofendido pelo desprezo e pelo abandono, resigna-se ao seu silêncio e deixa-me entregue à preguicite aguda.

08:10 – Toca o 2º alarme do telemóvel (o que perfaz 4 alarmes diferentes que tocam de manhã no meu quarto) e eu, ao som de uma sinfonia de galos a cantar à desgarrada, sou avisada por uma mensagem intermitente no seu visor que diz que adormeci e que vou ter que fazer a minha rotina matinal ao estilo “100 metros livres”. Lá me levanto aos tropeções e consigo bater o meu recorde pessoal de ficar pronta em 10 minutos, ainda que vá trabalhar de “cara lavada”, que vá vestida como se fosse à feira comprar coisas para fazer uma sopa e que não tenha tido tempo para, sequer, por uma maçã na mala.

8:20 – Sento-me no sofá para me calçar quando, no preciso momento em que me preparo para começar a subir o fecho eclair da bota direita, sinto que um qualquer músculo lombar engoliu um isco de pesca cujo anzol é bruscamente puxado enquanto a minha visão fica inexplicavelmente inoperacional. Apetece-me gritar de dor, mas a verdade é que esta invadiu de forma tão violenta todo o meu corpo, que não consigo chamar por auxílio. Seguem-se horas de absoluto pânico!

8:21 – Ok, não foram bem horas, mas a mim pareceram-me, seguramente, séculos! O maridão, qual D. Quixote de la Mancha, cavalga na direcção do moinho feito dragão e eis que  se aproxima finalmente o momento em que recebo o apoio necessário para me conseguir recompor. E não é que ele substitui as doces palavras por que tanto ansiava por um rude “Há tanto tempo que te andas a queixar das costas… Estava-se mesmo a ver, não achas? Já devias ter ido a um médico a sério há muito tempo!”. Na verdade, já tinha ido várias vezes ao médico lá do trabalho, mas ele achava sempre que não havia nada melhor do que uma boa dose de benzodiapezinas mascaradas de relaxantes musculares para resolver o meu problema de "origem nervosa", mas nem isso punha fim ao meu tormento. E as dores deste ataquinho estão a ser de tal forma insuportáveis que não tenho a força necessária para contra-argumentar e acender a discussão e lá chega a luzinha branca do desespero.

08:24 - Depois vem o golpe fatal do “Vamos ao hospital”, como se essa pergunta activasse uma fobia aos médicos e dissipasse imediatamente todas as dores e a vontade de ali estar a “ganir” no meio do chão, toda empenada e desejosa de me lavar em lágrimas. Mas é nesse momento que me encho de orgulho e que lhe digo que sim, que vou, mas sozinha! E que antes vou trabalhar. Ai mulher do carago!!

08:35 – Ao cabo de um bom pedaço de dor, suor e lágrimas contidas, consigo finalmente equilibrar-me nas minhas duas pernas e, adoptando a postura do “Corcunda do Notre-Dame”, alcanço a minha viatura. E, como uma desgraça nunca vem só, as chaves caiem ao chão e é absolutamente impossível conseguir apanhá-las sem que o pescador volte a puxar pelo isco… Sozinha e em sofrimento total, rendo-me às lágrimas que me caiam aos pares a cada milímetro que me dobro.

08:40 – Com as chaves na mão e mais meia dúzia de guinchos para conseguir meter toda a minha pessoa dentro do veículo, dirijo-me ao meu local de trabalho, que felizmente fica muito perto de casa.

08:50 – Rezando ao Jesus para que ninguém se meta no meu caminho, me ultrapasse, nem tente meter-se na minha faixa, sem olhar uma única vez para os espelhos (porque isso era sinónimo de muita dor), consigo chegar ao meu destino. Mas, ao fim de umas 10 tentativas malogradas de me sentar na minha cadeira, os meus colegas percebem que eu não estou em condições para ali estar, oferecendo-se rapidamente para me acompanhar às urgências.

09:00 – Rendida à auto-comiseração decido que, se calhar, talvez não seja assim tão má ideia ver o que tenho, mas mantendo o orgulho que tão bem me estava a assentar neste dia, e que até ao momento não me tinha servido de absolutamente nada, declinei o apoio. É então que, no meio dos suspiros, dos “ais” e dos “uis” lembrei-me de uma coisa verdadeiramente crucial neste momento: não tinha a depilação das pernas feitas! E por muito que me tenha custado recusar a ajuda lá voltei a casa para cumprir com as minhas obrigações de mulher moderna e sempre cuidada.

09:10 – Chego a casa, mais propriamente ao quarto, sento-me para desapertar novamente as botas e eis que se assola a verdadeira catástrofe. O derradeiro puxão do anzol e fico completamente paralisada, deitada na cama e toda curvada e percebo finalmente o quão estúpida foi a minha preocupação com a pequena penugem que poderia ser avistada no hospital, no momento de ser observada.

09:30 – Resolvo deixar-me de orgulhos feridos, porque já tinha ferimentos que chegasse, e ligo à minha metade boa. Percebo que acaba de entrar numa reunião e que tenho que me desenrascar, agora, completamente sozinha.

E, sem prejuízo de alguém ter uma infecção muscular provocada por más posturas pelo tempo que passou a ler este post, fico por aqui. Prometo contar o resto deste terrível dia, desejando que as pequenas contracturas (que me estão a impedir, neste momento, de perpetuar aqui o meu testemunho) não sejam a anunciação de uma lombalgia, de uma crise de coluna ou de uma qualquer enfermidade que antecipe o fim dos meus vintes.

1 comentário:

  1. Lindinha, sofri por ti ao ler isto! Quase conseguia sentir o pescador a puxar pelo isco... As melhoras... Beijos*

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