sábado, 25 de junho de 2011

Check list para férias


Sempre considerei que sou muito mais do tipo que trabalha para viver, do que do tipo que vive para trabalhar. Por isso mesmo, na minha opinião, as férias são uma das melhores invenções que Deus permitiu que o Homem criasse (a seguir à Coca-Cola e às máquinas de lavar a roupa). A verdade é que, independentemente do FMI, das condições meteorológicas, das pandemias e dos conflitos políticos, o ser humano foi meticulosamente desenhado para conseguir estar sempre apto a gozá-las (às férias, claro).

Resolvi aproveitar uma semana de apenas 3 dias úteis para dar uma escapadela e qual a minha surpresa quando me apercebi que, para visitar o destino que desejava, não havia vagas em nenhum voo a partir de Portugal – não por serem poucos, muito pelo contrário, mas antes porque meio país resolveu pensar da mesma maneira que eu. E estas coisas deixam-me verdadeiramente “inchada” de tanto orgulho: pertencer a uma nação que de tudo faz para ultrapassar a crise ou, pelo menos, ultrapassar a depressão e a angústia acesas pela falta de dinheiro! Além disso, esta atitude, note-se, revela também um altruísmo tão tipicamente português porque, ainda que o desenvolvimento da nossa indústria hoteleira seja significativamente inferior ao do dos nuestros hermanos, não nos escusamos de continuar a contribuir para a franca expansão deste sector espanhol! Mas como tristezas não pagam dívidas e, seguramente, estar aqui a lamentar-me não irá, de modo algum, contribuir para o aumento da liquidez do nosso Estado, avancemos porque estou de férias e o tempo é precioso!

Voltando ao mote desta publicação, adoro férias, sejam elas para conhecer cidades novas ou para apanhar banhos de sol, de mar e de areia. Por este motivo, gosto de iniciar com alguma antecedência e preceito o ritual da preparação do acontecimento – além disso, com um modelo de cabecinha de vento como esta que o meu pescoço sustenta, todo o planeamento é indispensável.

O registo é recorrente: check lists atrás de check-lists com versões datadas, revistas e actualizadas de “vestuário”, “acessórios”, “medicamentos”, “produtos de higiene”, “artigos de lazer” e “calçado”. Mas as listas não se limitam ao que se leva na bagagem e seguem-se as “coisas a comprar”, “recados a deixar”, “contas a pagar” e outras que tais, certificando-me, assim, que posso deixar o palácio sem estar de cinco em cinco minutos a pensar se fechei a porta à chave, se pedi a alguém para regar as plantas e se não deixei comida a decompor-se no frigorífico. Ora, como estava tão difícil encontrar um sítio mais ou menos decente para molhar os pezitos, a certeza em sair não era assim tanta pelo que, sob pena de agoirar a ociosidade dos próximos dias, decidi protelar o procedimento preparativo até que tivesse os bilhetes na mão.

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Véspera de ir de férias e de meio dia de trabalho. 22h00 e inicia-se o enchimento das maletas sem qualquer um dos auxiliares de memória atrás mencionados. E porque os dias quentes são ainda muito tímidos e escassos, as roupas de verão jazem adormecidas no baú desde o Verão passado. Segue-se o processo crítico de seleccionar a roupa para levar. Sem tempo para averiguar se os respectivos tamanhos se adequam à anatomia actual e se as partes de cima combinam com as de baixo, amontoam-se duas pilhas de peças que trazem à superfície as doces e calorosas recordações das últimas situações em que foram envergadas. O mesmo se aplica ao calçado e, sem estabelecer qualquer relação cromática com o vestuário escolhido, encho meia mala com chinelas e sandálias (porque mais vale sobrar do que faltar) que irão resultar na exposição de um corpo fluorescentemente branco e transparente. Oito biquínis e meia dúzia de frascos depois, com a mala quase cheia e só faltam mesmo os casacos. Casacos? Estarei a entrar em demência? Vai um casaquito preto que dá bem com tudo e com a ajuda do Jesus e do S. Pedro, o calor há-de abundar. Alto! Quase que falhava a coisa mais importante e indispensável de todas: o protector solar “factor 50+ para peles sensíveis” porque, já que não consigo ficar morena sem que isso acarrete noites passadas com toalhas húmidas a hidratar e regularizar a temperatura do corpo, talvez se recomende levar de volta o aspecto quase hepático característico da minha pele e protagonizado pela pobreza de melanina que transporto – gesto altamente criticado pela minha metade boa que, à semelhança de anos anteriores, atribuiu ao coitado do produto a culpa por não ter ficado esturricado (mesmo após ter sido questionado se queria que lhe comprasse um com menor factor de protecção, ao que respondeu negativa e peremptoriamente, e mesmo que apenas o tenha aplicado no primeiro dia).

Resultado:
  • 50% do calçado não foi utilizado porque foram mais os pares do que os dias de férias;
  • 40% das peças não foram vestidas porque não tiveram combinação possível com as partes de cima ou de baixo;
  • 30% da roupa já não me servia - ou seja, 15% porque emagreci e me ficava grande :) e 15% porque achava que tinha perdido mais peso do que o real, pelo que me ficava pequena :(  ; 
  • Levei um aglomerado imenso de tralha e no final quase que precisava de mandar lavar a roupa no hotel porque a efectivamente útil era insuficiente e com tanto calor era impossível de ser reutilizada; 
  • Apesar de ser usual levar o malote dos medicamentos capazes de curar desde a típica cefaleia até à unha encravada, passando pela inflamação da garganta, pela picadela de insectos e pela alergia aos raios solares, desta vez nem um único espécime de analgésico levei – atitude que se veio a revelar de extremo descuido e irresponsabilidade dada a incidência de situações enfermas, frequentes neste tipo de ocasiões;
  • Inexplicavelmente, a minha mala pesava mais 2kg na viagem de volta do que de ida, ainda que não tenha trazido nada de lá e ainda que tenha gasto champôs, cremes, etc. (estranhos fenómenos acontecem).

Notas para o futuro: 
  1. Voltar às check lists;
  2. Não esquecer medicamentos para a regulação da flora intestinal;
  3. Levar pelo menos um dos 5 frascos ricos em Aloe Vera que se foram acumulando em casa (porque, afinal de contas, eles são úteis é fora dela);
  4. E, a mais importante de todas, comprar uma mala mais pequena para fugir à tentação de levar tantas coisas desnecessárias!


sábado, 11 de junho de 2011

Romaria do Pão com Chouriço

Os Santos Populares estão aí mesmo, mesmo a esbarrar e, com eles, o cheirinho a sardinha e pimento assados e os primeiros acordes de música popular portuguesa, pano de fundo dos bailaricos típicos destas romarias. Este ano, as hostes foram abertas nas festas do Senhor de Matosinhos.

Ora bem! Senhor de Matosinhos, no dicionário da minha infância e adolescência, teve como sinónimos “Pão com Chouriço”, “Farturas”, “Carrosséis” e “Bugiganças-que-os-senhores-de-países-africanos-vendem-e-que-ficam-tão-bem-nos-meus-pulsos-e-nas-minhas-orelhas”. Ah! E quase me esquecia desta, de igualável importância e de merecida referência: “Tômbola-para-a-obra-do-Padre-Grilo”. Aqui fui muito feliz, juntamente com os pacotes individuais de bolachas waffer, lenços de papel, garrafas de óleo, miniaturas de miniaturas de carrinhos, canecas, canetas, bacias, e mais pacotes de lenços, e mais bolachas e mais coisas “úteis” – nunca a “inútil” da bicicleta, nem a “inútil” da boneca que gatinhava ou a “inútil” da máquina de escrever electrónica. E eu ficava maravilhada por ser possível, com apenas 50$00, ganhar sempre qualquer coisa, nem que fosse um lápis a dizer “Narciso a Presidente”. Era limpinho! “Aqui sai sempre prémio!” Mas olhando sensatamente para a coisa, considero agora que já que estávamos ali para fazer solidariedade, então talvez não tivesse sido má ideia devolver aquilo tudo à caridade que, como a minha mãe dizia, eram coisas que davam sempre jeito, mas a verdade é que tínhamos que as arrastar a festa toda e, quando chegávamos a casa, todo aquele entusiasmo pelo sucesso do jogo se tinha desvanecido, o coche tinha-se transformado novamente em abóbora e apenas restavam dois sacos cheiinhos de tralha.

Mas voltando aos festejos de ontem, além de ficar a caminho de casa, um desejo sôfrego de ingerir um hiper-mega pão com chouriço (que surgiu desde que vi pela primeira vez este ano o painel de publicidade a esta festa), fez com que conseguisse persuadir a minha metade boa a providenciar um lugar de categoria sobre um passeio da marginal de Leixões. Graças à elevadíssima aptidão do condutor em entalar (ou literalmente enlatar) o nosso pequeno utilitário entre dois todo-o-terreno, e depois de duas coçadelas da panela no lancil do jardim separador central desta via, lá fomos atrás da massa populosa ávida de celebração mais pagã do que religiosa, com o faro alvitrado para o fumo de onde saem todos os petiscos salgados desta festa. Apesar da hora tardia, da manifesta falta de fome e dos objectivos dietéticos desta ocasião “Sai um pãozinho com 'chóriço' a estalar aqui para a boneca”. E já que era dia de festa e não estava sozinha, lá pedimos mais uma bifana, uma coca-cola e uma cervejinha geladas. Só visto! Um regalo para os olhinhos de quem já quase esqueceu o sabor daquela bebida mágica que, dizem as más-línguas, provoca erosão ácida, celulite e é muito útil para desentupir os canos. Só vos digo, é tudo gentinha vazia de espírito, sem paixão pelas coisas boas da vida e que provavelmente vai envelhecer solteira e chata: vale bem a pena um minuto de prazer na boca, uma hora de peso na consciência e um ano de casca de laranja nas coxas, porque os senhores das farmácias também têm que vender aqueles cremes maravilhosos que não funcionam e assim é da maneira que os nossos maridos ficam com ideias profícuas de presentes. Mas como tudo o que é bom termina sempre, rapidamente se assolou sobre o meu estômago uma overdose nutricional que ultrapassou o seu "Estado Limite de Utilização", conferindo-lhe um mal-estar insuportável que, num ápice, pôs termo às festividades gastronómicas - nitidamente, um erro no cálculo das solicitações de um órgão, por sua vez deficientemente dimensionado com o objectivo de permitir ao utilizador vestir um par de calças com 10 anos e respirar ao mesmo tempo.

Deste modo, as farturas ganharam um bilhete para outra romaria e deram lugar a uma caminhada necessária à absorção do repasto. Entre canecas para beber vinho verde, santinhos populares para guarnecer as cascatas são-joaninas e o mobiliário em verguinha, destacaram-se os brinquedos “made in china” que já foram integrados como peças tradicionais de venda nestas festas e que voavam sobre as nossas cabeças, não nos cegando por milagre do santo padroeiro. Uns metros mais acima, e com o chouriço, lá em baixo, ainda a lutar com a coca-cola,  damos de caras com a comitiva de doces caseirinhos (ou talvez não) que vêm do Marco de Canavezes e cujas especialidades são as fogaças de… Vila da Feira. Por fim, encontrámos a típica roulotte que vende o que de mais português existe na cena musical nacional, ainda que alguns destes registos apresentem já uma idade considerável e o texto na capa esteja quase indecifrável pela passagem do tempo.

Uma hora volvida e a festa estava no fim, para nós, velhos na casa dos 20 e dos 30. Ficou por visitar a igreja barroca (o verdadeiro ícone religioso desta romaria, só venerado e visto por 13% dos visitantes da festa), mas os altares ainda não estavam preparados pelas mulheres dos pescadores, a noite ia avançada e seria de extrema importância não exportar o meu jantar para a sarjeta dos serviços municipalizados do concelho. Faltou também dar o pulinho ao Padre Grilo e colaborar solidariamente com a sua obra. Mas estou certa que não faltarão oportunidades para ir lá buscar mais uns saquinhos com “relíquias”, na esperança da boneca “gatinhante” ainda lá estar, aproveitando o momento para saudar os senhores dos Pan Pipes, as senhoras africanas que vendem djambés e fazem trancinhas e transportam os filhos às costas (tudo ao mesmo tempo), os vendedores de manjericos, de tachos, de chapéus e todos os imigrantes ilegais que negoceiam a elevada qualidade das falsificações rascas das melhores marcas internacionais – tudo em prol da nossa saúde ocular. Também não fui aos “carrosséis”, mas este tipo de actividade, assim como o bailarico que estava ali ao pé, seria totalmente incompatível com o estado gástrico do meu devaneio culinário - isso e uma eventual facadita proporcionada pela falta de segurança local.

E lá voltamos para a nossa viatura de barriga cheia de festas populares, rezando ao São João, ao Santo António, ao São Pedro e, claro, ao Senhor de Matosinhos, para estarmos cá para o ano outra vez a comer outro pãozinho com chouriço e, quem sabe, comer uma fartura ou duas. Isto, claro está, se o FMI não decretar o FIM da nossa conta bancária e se o Passos Coelho não acabar com estes feriados que me dão tempo para comparecer as estes eventos (e para publicar o seu registo).


quinta-feira, 2 de junho de 2011

Tempo extra procura-se

Desta vez não peço inspiração. Só queria um tempinho livre para escrever, nem que fosse sobre os pepinos avariados, sobre a onda das artes marciais que se abateu sobre os moços e as moças deste país, ou sobre a nova moda da humanização dos candidatos a São Bento - gostei muito de ver o Passos Coelho a ser entrevistado sentado na relvinha, sem dúvida. Alguém tem umas horinhas que me ceda? Prometo pagar com juros...

Relógios Moles - Salvador Dali