segunda-feira, 6 de julho de 2015

O drama do Nestum

Já toda a gente sabe (ou as 3 pessoas que ainda lêem este blogue) que o maridão que circula lá em casa, por vezes de calções, meias e chinelos, é muito especial. Na penúltima crónica que escrevi fiz questão de o deixar bem claro. Elogios não faltaram pelo que, sob pena do seu ego lhe sair pelos olhos e pelo nariz, estou em condições, agora, de mostrar o seu “dark side”.

O meu maridão é um indivíduo muito inteligente, expedito, prático e engenhoso. Tem uma licenciatura (daquelas à antiga portuguesa, sem bolonhesas pelo meio), uma pós-graduação e é diretor-geral de uma empresa. Trata por tu os números e as fórmulas e é um cozinheiro nato. Contudo, revela uma incapacidade gritante de preparar o Nestum do seu herdeiro… Todas as vezes em que ele é destacado para lha preparar, o que normalmente acontece quando tenho que sair, vem o discurso do costume:
A sério?! Ele não pode comer antes um iogurte ou dois? Sabes que eu não sei preparar essa papa… A outra eu sabia fazer bem, mas esta é super complicada…
Ao que eu lhe respondo com um arregalar de olhos cáustico (e quem me conhece sabe bem o quão grandes os meus são e o quão assustador isto pode ser), seguindo-se a pergunta do costume:
Vá... Diz lá então como é que isto se faz...
Mesmo que seja a 67ª vez que o esteja a fazer…

Dai-me paciência, Senhor!

Lá vai a “je”, pela 67ª vez explicar-lhe a complicadiiiiiiiiíssima receita, depois de proferir alguns impropérios, irrelevantes para o caso, pelo que não os refiro:
Ora então fazes assim: primeiro aqueces 150 ml água; depois juntas 5 medidas de leite e mexes com um garfo.
Entretanto paro e certifico-me de que ele parou de escrever no teclado e de olhar para o computador onde estava a fazer uma importante análise económico-financeiro-social - que é como quem diz, tira os olhos da televisão e põe em pause o Real Madrid-Barcelona (mas isto fica só entre nós, ok?). Pergunto:
Estás a acompanhar-me? Tens alguma dúvida até aqui? É que agora é que vem a parte mais importante e difícil…
É nesta altura que ele vira a cabeça na minha direcção, mas esquece-se de acompanhar o movimento com os olhos, pelo que percebo que a mensagem só vai chegar ao destino pela metade (com sorte). E continuo, depois de bufar de forma bem sonora e evidente:
Agora pegas numa colher de sopa e pões SEIS colheres RASAS OU MAL CHEIAS!!! A princípio vai parecer-te que ficou líquida, mas, ao contrário do que fizeste nas anteriores 66 vezes, não vais pôr NEM MAIS UM FLOCO no prato. Se vires que a parte do “colheres rasas” ou “mal cheias” é demasiado relativa para o teu espírito científico e metódico, lê as instruções na caixa. Lá refere o peso exacto que deves considerar. A balança DIGITAL está no armário, ao lado dos copos. Dúvidas?
Evidentemente que não há nenhuma. Faz aquele ar de quem “Fogo… Isso é mesmo complicado e acho que vou precisar de uma formação intensiva sobre a preparação de Nestum...”. Lá acena com a cabeça e eu vou à minha vida.

Quando regresso, e pela 67ª vez, o cenário é o mesmo, assim como a lenga-lenga. Pergunto-lhe se o miúdo comeu bem o lanche e ele reponde-me:
Olha, fiz tudo como tu me disseste, mas como aquilo nunca mais ficava grosso, meti lá para dentro mais umas colherinhas.
Sem dizer nada, na minha cabeça, aos berros, grito: UMAS COLHERINHAS?! WTF??? E ele continua:
Voltou a ficar parecida com massa consistente… Mas ele comeu a massaroca toda! Para o fim estava a dar-lhe um vómito ou outro, de vez em quando ficava um bocado vermelho e revirou os olhos 2 ou 3 pares de vezes, mas aguentou-se, o valente! E como não vomitou, dei-lhe até ao fim. Até acho que gosta mais desta maneira!”
Ao que parece, na embalagem diz “(…) Junte 6 colheres de sopa (30g) cheias dos seus flocos preferidos e mexa bem”, o que é um contrassenso para ele, já que as nossas colheres são muito grandes…

Arghhhhhhhh!!!

Conclusões:
  • O meu marido ou tem um deficit de atenção ou anda a tentar desmotivar-me de lhe pedir para ele preparar a malfadada papa (o que, não fosse a minha teimosia, já tinha conseguido ali pela 3ª vez que isto aconteceu);
  • Ao menos a criança não ficou desnutrida - pelo contrário, quando isto acontece, a julgar pela falta de apetite que o caracteriza, não vai ter fome nas próximas 12 horas e não tenho que me preocupar com o seu jantar;
  • Devia ligar aos senhores da Nestlé e dizer para retirar da embalagem a frase "A preparação é instantânea" e subtituir por "ESPERE 1 ou 2 MINUTOS ANTES DE DAR A PAPA. ELA ENGROSSARÁ POR SI", em letras garrafais;
  • Da próxima vez, se calhar (só se calhar), talvez seja mesmo melhor deixar os iogurtes....




sábado, 27 de junho de 2015

Com estas mãos...


Com estas mãos deu-me o primeiro banho "a sério", numa bacia vermelha, no chão de madeira da cozinha da aldeia…

Com estas mãos agarrava as minhas para me levar consigo para todo o lado, enquanto me exibia com orgulho…

Com estas mãos pegava nos novos pintaínhos para mos colocar nas minhas…

Com estas mãos ensinou-me a lavar a roupa no tanque grande, quando o que eu queria era tomar lá banho, o que acabava por acontecer mesmo que não entrasse na água…

Com estas mãos fez comigo “rissóis para os cães” durante horas, junto à lareira…

Com estas mãos segurava-me sempre que queria trepar pelas suas pernas, com medo das abelhas, que, na maior parte das vezes, não passavam de grãos de pó no ar…

Com estas mãos apanhava-me morangos e com eles fazíamos o nosso lanche preferido, infinitas vezes…

Com estas mãos ensinou-me a amassar o pão preto e a marcar uma cruz quando estava pronto a levedar…

Com estas mãos abria os bombons de cereja que eu detestava, mas que me dava tanto gozo vê-la comê-los...

Com estas mãos limpou as minhas lágrimas quando apareci depois de eu me perder no monte…

Com estas mãos afagava-me o cabelo, vezes sem conta, cópia do seu…

Com estas mãos preparava-me a melhor cevada do mundo…

Com estas mãos punha-me a “sua” pomada milagrosa que me curava, mesmo quando essa não era a sua aplicação medicinal…

Com estas mãos tentou ensinar-me a usar uma enxada, pacientemente, mesmo sabendo que eu não ia conseguir fazer outra coisa a não ser estragar o seu trabalho…

Com estas mãos cobria-me com as 7 cobertas e cobertores nas noites frias que passava lá em casa…

Com estas mãos usava a máquina de costura só porque sabia a satisfação que eu tinha em ouvi-la “cantar”…

Com estas mãos ensinou-me a descascar feijão, sentadas na eira, a contemplar a frescura do final da tarde e a paisagem da margem do outro lado do rio...

Com estas mãos enxotava as moscas enquanto fazíamos a sesta, mesmo sem abrir os olhos...

Com estas mãos rezamos juntas na igreja onde me baptizou…

Com estas mãos apanhava flores para me fazer colares…

Com estas mãos segurava a minha cara enquanto me chamava "D. Filipa de Lencastre" e me cobria de beijos...

Com estas mãos pegava nas minhas com a maior das ternuras, sempre que conversava comigo…



E agora? Agora as suas mãos já não me vão tocar, nem abraçar, nem acarinhar. As saudades são arrebatadoras e a dor insuportável, é certo. Mas sinto o seu sangue a correr nas minhas veias, o seu calor no meu coração e a sua voz na minha cabeça...

Já não sinto o toque áspero e meigo das suas mãos, talhadas por uma vida de trabalho e dedicação à família - ai que saudades deste toque quente! Mas as memórias são tantas e tão boas que não vou conseguir esquecer este doce contacto que fazíamos questão de estabelecer a toda a hora... a todo o momento... até à ultima vez que a vi! E da mesma forma que o sol, o frio e o vento plantaram marcas na pele das suas mãos, também elas e o seu toque ajudaram a tornar-me naquilo que sou hoje...

E o que mais importa, agora, é que, apesar de já não estar no meio de nós, a sua dimensão humana era tão grande e o seu trabalho foi tão bem feito durante estes anos todos, que parte de si continua e continuará bem viva dentro de cada uma das sementes que cá deixou!

Obrigada por TUDO!


segunda-feira, 30 de março de 2015

Manual de instruções de um marido exemplar

É mesmo verdade! Estou aqui e estou de volta. Não, o arroz não desapareceu com a minha gravidez. Digamos que ficou… de molho! É verdade que já não punha aqui os dedinhos há quase 2 anos, mas a pedido (muito insistente) de uma pessoa fantástica, resolvi voltar a estas lides.

Essa pessoa trata-se do meu Maridão, que por acaso é, da sua categoria, o espécime mais especial que eu conheço. Talvez porque, durante grande parte deste tempo, à semelhança da maioria das mães, eu tenha vivido um período de quase exclusividade à minha cria e o pobre coitado tenha conseguido sobreviver a isso. Talvez também porque as suas qualidades de pai, marido, cozinheiro e handyman sejam altamente apreciáveis por mim e pela maioria das meninas que conheço. Talvez por não ter perdido a capacidade de me surpreender, mesmo passados quase 13 anos. Talvez por conseguir manter viva a comunidade de borboletas que se instalou na minha barriga desde o dia em que me deixou em casa, depois de um dos nossos primeiros encontros, apontou para a frequência do rádio e me disse que o taxímetro marcava o número de beijos que lhe devia (e que tinha que tirar a vírgula). Talvez por ser lindo de morrer, sensível, espirituoso, generoso, lutador e íntegro. Talvez por ser meu - o MEU Maridão. (Uiiii... Que lamechice para aqui vai!)

Podia pôr-me aqui a escrever sobre cada vomitadela que o meu filho me ofereceu (depois do esforço que foi dar-lhe de comer) ou sobre o aumento astronómico de cafeína ingerida (fruto dos festivais que a criatura deu, enquanto não acertou o seu relógio nocturno). Mas, depois de mais uma surpresa que a minha "metade boa" me fez, resolvi dedicar-lhe o meu regresso. Parece-me justo, além de me dar um ar digno, descontraído e são (olha para mim a sacudir os cabelos e a bater as pestanas). Mas, porque ele não é grande adepto de manifestações tão públicas de carinho (limite que foi largamente ultrapassado no anterior parágrafo) vou fazê-lo de uma forma menos... íntima.

E, como para além de mãe e esposa, também sou uma mulher que trabalha, pelo menos por enquanto, vou fazê-lo usando como base um assunto que tem consumido grande parte do meu tempo.

Tinha eu recebido uma coisa destas há quase 7 anos atrás e tínhamos poupado muitas chatices! :)



MANUAL DE INSTRUÇÕES DO EQUIPAMENTO

Este manual deve ser lido atentamente antes de utilizar o equipamento. Este não deve ser montado, utilizado ou submetido a operações de manutenção sem que o operador/utilizador tenha a competência técnica suficiente para o utilizar.


1. Características

  • Marca: Maridão
  • Modelo: De Luxe Superior
  • Ano: 2008
  • Nº de série: 00000001
  • Consumo: moderado, podendo ser elevado na presença de outros modelos.

2. Instruções de Segurança

  • Não manusear o equipamento durante um jogo de futebol, sobretudo em que esteja o Benfica a jogar e, especialmente, se estiver a perder.
  • Evitar o contacto durante o período de utilização de consolas de jogos, uma vez que o funcionamento do equipamento não está garantido nestas condições.
  • O uso de cinto de segurança é obrigatório nas viagens de automóvel por questões legais e porque este modelo atinge velocidades muito elevadas, especialmente quando o utilizador se atrasa a sair de casa.
  • Incompatibilidade com produtos químicos: este equipamento apenas requer a utilização de champô, sabonete, creme de barbear e dentífrico, pelo que será desnecessário e perigoso utilizar qualquer um dos restantes 374 produtos que tenha no seu armário.
  • Todas as protecções do equipamento, quando necessárias, não deverão ser removidas, sob pena de expor o operador a perigos desnecessários.
  • Nunca abandone o equipamento em funcionamento sem supervisão.
  • O sobreaquecimento não é prejudicial para o funcionamento do equipamento, mas, se necessário, este pode ser diminuído recorrendo a conversas sobre compras, sogras ou episódios de uma novela. Em caso de combustão interna, deverá ser aplicado um jacto de água fria.
  • O equipamento pode entrar em curto-circuito se o operador: mudar 5 vezes de roupa antes de sair de casa; proferir comentários menos positivos sobre o seu fabricante; solicitar o equipamento para mudar uma fralda durante um derby.
  • Por questões de segurança, não permita que ninguém permaneça debaixo do equipamento.

3. Instalação

  • Depois de adquirido, a montagem é extremamente simples, cómoda e intuitiva, pelo que não carece de qualquer esquema de montagem nem de ajuda profissional. 
  • Não existe qualquer risco associado à montagem e desmontagem frequente do equipamento.
  • Ainda que o operador considere isso fundamental, não existe local nem período preferencial para a sua instalação.

4. Funcionamento

Para garantir o bom funcionamento do equipamento, deverá seguir as seguintes instruções:
  • Não complique.
  • Não exagere.
  • “Não” quer dizer não e “sim” quer dizer sim, por muito difícil que seja para o utilizador compreender isto.
Acessoriamente, de modo a aumentar a sua performance, aconselha-se adoptar as seguintes medidas:
  • Elogiar o equipamento sempre que possível, sobretudo ao nível dos seus feitos gastronómicos, e junto de utilizadores de outros modelos.
  • Ocasionalmente, oferecer um componente para o chassis.
  • Promover o contacto com outros modelos.
  • Dar um uso adequado e frequente a todos os componentes do equipamento.

5. Manutenção e verificação

  • Recomenda-se que as operações de manutenção sejam feitas em oficinas da marca, sobretudo no que diz respeito às operações relacionadas com o chassis. As linhas brancas ou low cost usualmente são mal aceites por este tipo modelo. As marcas europeias são as preferenciais, embora algumas americanas sejam uma boa aposta.
  • Aconselha-se combustível de qualidade, preferencialmente se em utilização conjunta com um lubrificante compatível, normalmente produzido no norte do país, em regiões com microclima favorável, que apresentem qualidade aromática excepcional, taninos firmes e um fim de boca longo e persistente.
  • Qualquer avaria deve ficar a cargo de um agente especializado, pelo que as soluções apresentadas pelo utilizador são normalmente mal suportadas pelo equipamento.
  • Sem prejuízo do equipamento ser verificado por entidade competente, é recomendada uma inspecção visual diária, não apenas para constatar o seu bom funcionamento, mas para promover o seu desempenho.
  • É aconselhável que o equipamento não se mantenha parado durante grandes períodos de tempo, sob pena de apresentar deformações permanentes ao nível abdominal, especialmente se esta inactividade for acompanhada de consumo moderado de lubrificante à base de malte e levedura.

7. Garantia

  • Este equipamento não apresenta qualquer garantia, pelo que, em caso de avaria temporária ou permanente, não poderá ser devolvido ao fabricante. Por ser modelo único, limitado a 1 exemplar, não poderá ser substituído por outro igual.
  • O equipamento é inalterável, pelo que os pequenos defeitos jamais poderão ser corrigidos ou reclamados.
  • Apesar de não ter garantia de funcionamento, a satisfação é garantida!!!

Nota final: algumas regras podem parecer confusas, mas estou certa que o equipamento em questão as compreendeu perfeitamente... ;)